Recentemente a descoberta do historiador de HQs, Francisco Dourado, abriu portas para um novo assunto a ser discutido.
A publicação da HQ francesa de Luc Fossati em 1849 apresenta um quadro praticamente igual a HQ de Sisson, publicada no Brasil em 1855.
O sentimento quase instintivo é concluir o assunto no exato momento em que comparamos as imagens e as datas.
Sisson copiou! A primeira história em quadrinhos brasileira é um plágio!
Um passo atrás, e calma. De conclusões precipitadas não se faz história. É preciso investigar mais a fundo o contexto para tentarmos compreender o que pode ter ocorrido há mais de 150 anos.
Por que Sisson plagiaria?
Era um artista de notável talento que produzia “retratos que são verdadeiros primores de arte gráfica”, como dissera Herman Lima em “História da Caricatura no Brasil”, de 1963.
Era um ilustrador criativo, criou caricaturas pitorescas publicadas em periódicos dos oitocentos.
Provavelmente o quadro desenhado por seu conterrâneo Fossati, o inspirou por se encaixar perfeitamente na construção da narrativa de sua HQ.
Mas não só conterrâneos eram Sisson e Fossati, eram também contemporâneos. Estiveram atuando profissionalmente em Paris à mesma época. Em 1849, Sisson ainda não havia migrado para o Brasil. Participava do prestigioso “Paris Salon” expondo uma pintura intitulada “Portrait en pied de M. F…, médecin.”.
Em Paris, também Sisson aprendeu a arte da litogravura. Muito provavelmente seus caminhos se cruzaram com os de Fossati.
A questão é: viveram na mesma época e contexto histórico. Historiadores da arte da caricatura relatam que no século XIX, o sentido da cópia tinha outro papel. Ao que parece, não era visto como algo negativo mas uma forma de aprendizado, de se produzir arte. É comum, inclusive, encontrar entre jornais alemães e franceses, norte americanos e alemães… a cópia não só de apenas um quadro mas de quase toda a história.
No caso do quadro da HQ de Sisson, não trata-se de cópia mas de uma referência, algo comum nas linguagens narrativas.
O desenho não está decalcado, Sisson apenas usou como referência a pose com os três personagens (duas pessoas batendo em uma no meio) para criar o seu. As roupas são diferentes, o personagem à direita está em posição diversa, mais ereta e o personagem central está com o cabelo arrepiado, diferente do desenho de Fossati.
Há sim partes parecidas mas há também inovação: na HQ européia os personagens que batem estão calçados, diferente da HQ brasileira de Sisson onde estes são negros e estão descalços.
Ao trazer personagens negros, Sisson deu ares brasileiros, nacionalizando sua HQ. Há nela então, uma nota de originalidade dentro de uma esfera de influência, ou seja, Sisson criou também, algo novo.
Apesar da expressão da forma dos personagens neste quadrinho terem sido influenciadas pelo desenho de Fossati, o contexto e o enredo são diferentes.
Sisson apresenta um roteiro original e a construção narrativa também. O uso de um fragmento de outro autor não tira o mérito da construção de algo novo. O contexto em que o quadro está inserido é outro, ou seja, a mensagem é outra neutralizando assim, ao meu ver, qualquer consideração como plágio.
O que abordo aqui, não tem como intenção publicar uma conclusão final sobre o assunto, do contrário, procuro promover questionamentos e investigação.
A descoberta de Francisco Dourado nos estimula a analisar, pesquisar e discutir mais profundamente afinal, trata-se da Primeira História em Quadrinhos Brasileira.